São Paulo: múltiplos olhares: regionalidade, identidade e cultura

Neste blog estamos dispondo narrativas visuais, textos e fotografias como parte de uma reflexão sobre a regionalidade, identidade e cultura identificadas como uma crônica do cotidiano regional que abrangerá as cidades de São Paulo, Sâo Bernardo do Campo e Santo André na região do grande ABC.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Heliópolis, terra de quem?


Quando passo pela favela do Heliópolis, gosto de pensar e imaginar como tudo ali era antes de 1970. Minha mãe viveu parte de sua infância ali, quando era campo, quando a paisagem era verde. Fico imaginando o que ouvi: crianças correndo nos campos,  brincando nas poças de água que se formavam na grama depois de uma chuva de verão. Fico com saudades disso (embora eu mesma não tenha vivido).
            Foi no ano de 1938 quando meus avós, filhos de imigrantes europeus, colonos de uma fazenda de café em São José do Rio Pardo (aquela cidade interiorana de São Paulo, onde Euclides da Cunha gostava de estar...), resolveram ir buscar, na capital, melhores dias para a família.
            A princípio, alugaram uma casa no bairro de São João Clímaco. Mas foi no ano de 1945 que meu avô ficou sabendo que um órgão do governo, o IAPI (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários*), estava alugando terrenos para chácaras no Heliópolis e na Vila Carioca. Meu avô adquiriu o carnê para pagar o aluguel da terra,e no mesmo ano se mudou para lá com a família.
            Ele tinha, agora, uma chácara para plantar verduras, para criar porcos e alguns cavalos.  A casa de madeira, não pôde ser construída de alvenaria, pois o terreno era alugado, e, na verdade, pertencia a herdeiros órfãos que o Governo estava à procura.
           Algumas chácaras, além da do meu avô, se formaram no Heliópolis. Ao longe, perto do Sacomã, conta minha mãe que se avistavam alguns casarões, bonitos, que pertenciam aos senhores cobradores de aluguel. Comércio não havia ali, a não ser pelo único mercadinho que ficava perto da Rua Silva Bueno, aonde  podia se comprar um filão de pão,  leite na vasilha e óleo por litro.
            Passados, mais ou menos, doze anos deixaram de cobrar o aluguel das terras, e o povo que ali estava se viu morando em terras que não eram de mais ninguém. Mas, não demorou muito e a situação mudou. Uma Refinaria de Petróleo chegou e pediu o terreno de todos, oferecendo, apenas, um caminhão para retirar a mudança.  Cada morador teve que sair, calado, e muitos sem rumo e sem lugar para ficar. Quem tinha criação de animais teve que se desfazer. Era o ano de 1970. Negaram a eles a cidadania, pois como Santos (1926, p.8) afirma que “para ter eficácia e ser fonte de direitos, ela deve se inscrever na própria letra das leis [...] e, sempre que haja recusa, o direito de reclamar e ser ouvido”, não puderam falar dos seus direitos.
            Meu avô se desfez dos seus porcos e dos seus cavalos. Pegou a família e foi morar de aluguel na casa de um parente, na vila São José, em São Caetano do Sul. Depois, construiu um barracão na Cidade Líder, onde foi morar e ali permaneceu.
            E, no fim da história, a Refinaria de Petróleo não ocupou todo o terreno. O Governo não fez nada com aquelas terras. As pessoas foram invadindo. E se transformou no que hoje conhecemos como - Favela do Heliópolis.

Autora: Soraia de Oliveira Silva
  
           

* IAPI é um acrônimo para Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários. O IAPI foi criado em 1936, durante o Estado Novo e, após 1945, expandiu suas áreas de atuação, passando principalmente a financiar projetos de habitação popular nas grandes cidades.
Fonte: pt.wikipedia.org


Fotos


Tio de Soraia, Heliópolis, 1958.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva

 

Irmã de Soraia, no fundo Hospital Heliópolis. 1964.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva.


 



Criação de porcos - chácara no Heliópolis. 1958.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva

 
Mãe e irmã de Soraia - Heliópolis. 1964
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva.



Tios de Soraia - Vila Carioca. 1958.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva






Avós e tios de Soraia na chácara - Heliópolis. 1960.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva


Avós de Soraia. 1938.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva

Heliópolis, novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva.

 
 
Posto de Combustível - Heliópolis. Novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva.

 


Refinaria de Petróleo - Heliópolis. Novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva.







Muro do Hospital Heliópolis. Novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva




Entrada Hospital Heliópolis. Novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva





Rua ao lado do Hospital Heliópolis. Novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva


 

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