São Paulo: múltiplos olhares: regionalidade, identidade e cultura

Neste blog estamos dispondo narrativas visuais, textos e fotografias como parte de uma reflexão sobre a regionalidade, identidade e cultura identificadas como uma crônica do cotidiano regional que abrangerá as cidades de São Paulo, Sâo Bernardo do Campo e Santo André na região do grande ABC.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Vem palavra, vem!

Sequência Didática

Trabalhando gêneros literários em sala de aula no ensino fundamental.



Crônica:

Lições de Botânica


            Todos achávamos o compêndio de botânica excelente: em francês, encadernado em percalina amarela, agradável de tomar nas mãos, bom de folhear, bem impresso, com desenhos claros - essas coisas que nem sempre os editores levam em conta e podem, no entanto, ter influências na vida de um estudante e até na sua vocação. O professor ajudava a esclarecer o texto: depois procurava-se a letra a, a letra b, a letra c, todo o alfabeto, que indicava o que se estava estudando nas plantas, quer inteiras, quer em seus pormenores, e nos cortes longitudinais que mostravam seus segredos interiores. Era muito agradável: vivia-se em jardins, pomares, campos imaginários. Salvo algum exemplo especial, não se tratava de nenhuma planta, nenhuma flor, de fruto algum. Tudo estava reduzido à ideia, nem mesmo à imagem dos objetos. Mas era - pelo menos para alguns - um exercício fácil e feliz. Assim Deus tinha disposto as suas criações vegetais! E sépalas, raízes, pistilo, cada coisa no seu lugar cumpria uma determinada função; e quando havia aberrações, era outra história...
            Naquele tempo não se analisava nada disso com muita profundeza, mas com o assombro e a curiosidade das descobertas. Apenas, entre as folhas dos livros e os seus desenhos, assomava como um fantasma bom a figura de tio Zeferino.
            Não sei de onde vinha, mas vinha com o anoitecer, como trazido pelo lusco-fusco da tarde. Trazia ramos de flores e embrulhos de frutas. Vinha orgulhoso, sorridente, pois tudo aquilo nascia em chácara sua, sob os cuidados seus. Descansava os embrulhos e ramos na mesa rústica, falava do tempo, do sol e da chuva e ainda trazia em redor das unhas a terra dos seus canteiros. Sua chegada coincidia com a hora em que as crianças boazinhas devem ir dormir: de modo que sua figura e suas falas ficavam metade neste mundo, metade no outro. No dos sonhos. Mas era ele que entendia e explicava rosas e eglantinas, dálias e crisântemos, e fazia apreciar o perfume escondido da violeta em contraposição à violência do jasmim-do-cabo. Era um homem singular. Falava de flores simples e dobradas e com um canivete que exibia às vezes, parece que resolvia seus problemas, tornando doces as laranjas amargas e creio que aumentando o tamanho ou o número de outras frutas. Tudo com aquele canivete! Todos ficávamos boquiabertos de admiração.
            Mas tio Zeferino não se gabava muito daquelas colaborações com Deus. Pedia umas fruteiras brancas e redondas, que de perfil pareciam cogumelos e ia dispondo as frutas. Da laranja e da goiaba não precisava falar, pois quem não as conhecia? Mas havia a carambola, a nêspera, a romã, o jambo: essas eram grandes novidades, que não se encontravam em qualquer lugar.
            Tio Zeferino devia conhecer todas as plantas do mundo - pensávamos. Queríamos associar a sua figura à dos anões de louça que, naquele tempo habitavam alguns jardins. Mas tio Zeferino não tinha nada de anão: era um homem robusto, de meia-idade, cabelos um pouco grisalhos, e uns grandes olhos verdes, como duas folhas. Uns bons olhos, que riam para as crianças, para as coisas todas deste mundo que ele, afinal, com as suas grossas mãos, ajudava a criar. Assim, contava a história das flores e dos frutos, desde o seu tempo em que eram apenas sementes, e como era a terra e o adubo e a água e o sol, e como tudo se fazia cor, perfume, gosto, sumo... Falava com amor. Pois se ele conhecia cada limão desde quando era uma pequenina flor, e depois se tornara um botãozinho verde “assinzinho”, e se arredondara e crescera, e agora estava ali, na mesa rústica ou numa cestinha onde tinham recolhido, e perfumava a casa toda, e estava pronto (isso nos causava dó) para ser cortado em rodelas ou espremido em limonadas. Mas tio Zeferino comandava esses nascimentos e sacrifícios com uma superior tranquilidade. Depois de uns, vêm outros, tudo é assim, a vida continua, a vida vai sendo sempre: Deus não para, vai criando, vai renovando... Tudo isso que tio Zeferino dizia não era tirado dos livros, mas da sua cabeça, do seu coração, da sua experiência de trabalho. Eram tão vivas as suas palavras que ninguém deixava de acreditar. Segurando uma dália ou uma tangerina, ele parecia um orador e (Deus me perdoe) um orador sacro.

Autora: Cecília Meireles
Livro: O que se diz o que se entende


Sobre o conto - Lições de Botânica - de Cecília Meireles e sua utilização em sala de aula:


            A arte está, também, nos detalhes pequenos, e é lá onde o artista coloca sua identidade. Podemos ver nesta crônica de Cecília Meireles sua identidade diáfana, portanto. Aqui, ela deixa passar a claridade de suas ideias sobre o saber da experiência quando nos conta do tio Zeferino e sua vida nos canteiros de plantação.
            Esta crônica nos anima a pensar a prática da reescrita na educação a partir do par experiência/sentido, como propõe Jorge Larrosa (2002), pois quando a criança se percebe contando, lendo e escrevendo suas próprias vivências, ela se aproxima mais da palavra e de sua própria língua.
            Contar suas experiências, algo que lhe acontece, e, para Larossa (2002), a experiência é a passagem da existência, pode fazer a transformação da criança ao final de um processo de trabalho com reescrita de textos, transformando-os em seres leitores e escritores. “Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo” (Larossa, 2002, p.25).


Autora: Lêda Maria Sierra Cavallini
Sequencia Didática
                       

Considerações pedagógicas sobre o tema da sequencia didática:

            Aqui vão alguns pontos favoráveis do ensino da língua portuguesa ao se trabalhar os gêneros literários. Esta prática prevê a aprendizagem significativa quando se propõe, por exemplo, a reescrita da crônica ou do conto.  As crianças irão aprender a ortografia lendo e escrevendo na prática. Ler e escrever, neste processo de reescrita, desenvolve a aprendizagem da ortografia, sistematiza a língua, além de dar ao professor suporte para um mapeamento dos erros ortográficos.
            Um dos pontos importantes desta prática é que as crianças podem falar, com suas próprias palavras e expor suas ideias, sobre o que vivem no cotidiano. E o educador deve respeitar, tanto o que falam, quanto fazer a correção também com respeito.
            Ao fazer a leitura da crônica/conto em sala de aula, o professor se coloca como modelo leitor e pode trabalhar a leitura compartilhada fazendo com que cada aluno leia em voz alta pelo menos um parágrafo deste gênero. Depois cada aluno desenvolve sua reescrita.
            Ao reescrever, o aluno organiza as ideias, pensa sobre a coerência textual e mais importante: expões suas ideias.
            Como metodologia, o professor pode refletir sobre as dificuldades ortográficas das crianças a partir do mapeamento dos erros, pois ao perceber a natureza deles, direciona seu trabalho. Nesta verificação dos erros pode se observar a segmentação, as irregularidades, as regras ortográficas (quais deverá trabalhar) e as trocas de fonemas, por exemplo.
            Como sugestão de correção, o educador poderia propor uma troca de cadernos: fazer com que as crianças, ao final da reescrita, troquem os cadernos e corrijam os textos dos colegas, assim o aluno seria colocado frente à ação mental do erro, onde o próprio erro é transformado numa situação de aprendizagem.
            Assim, a criança se torna autônoma tanto na escrita quanto na leitura ao longo do tempo. Sônia Kramer em - Por entre as pedras - fala da leitura e escrita como possibilidade de arma e sonho e diz dessa dimensão maior como descobrir um sentido de humanidade, de tornar-se humano, e do sentido da descoberta na aprendizagem da escrita quando significativa. (2003, p.125).
            Então, vamos levar nossas crianças à descoberta da escrita em sala de aula e fazê-las expressar suas identidades.


Autora: Lêda Maria Sierra Cavallini
Sequencia Didática




Sequencia Didática:

Objetivos:
  • Reconhecer a comunicação escrita.
  • Aprender sobre a reescrita de crônicas/contos.
  • Conhecer a ortografia.
  • Aprender a organização da língua escrita.


Conteúdos:
  • Desenvolvimento da habilidade da leitura e da escrita.
  • Introdução da ortografia.
  • Desenvolvimento do gênero literário crônica ou conto.


Anos:

3º e 4º

Tempo estimado:

Três aulas


Material necessário:

Livro - O que se diz e o que se entende, Celcília Meireles: RJ: Nova Fronteira, 1980.


Desenvolvimento:

1ª Etapa:

Organize os alunos em roda para a leitura da crônica ou do conto. Leia primeiro. Sendo o professor o modelo leitor, leia devagar, obedecendo a pontuação para que todas as crianças entendam a narrativa. A seguir, faça perguntas sobre o texto, como o que elas entenderam sobre o que fez tio Zeferino com suas plantas, ou, a que tipo de experiência a menina estava falando. 
Depois, peça para que cada criança leia ao menos uma frase do conto. Após o término da leitura, peça para que cada criança conte com suas próprias palavras o que deve ser um conto.

2ª Etapa:

Antes de iniciarem a reescrita, as crianças devem fazer uma pesquisa em casa sobre o que pretendem escrever em seu conto. Chegando à sala de aula irão falar sobre o que pesquisaram, e então podem iniciar a reescrita.

3ª Etapa

Ao término da reescrita, peça para que as crianças troquem os cadernos ou as folhas para que façam a correção do texto do amigo. Recolha todos os textos e faça você outra correção fazendo um mapeamento dos erros de cada criança. Devolva os textos e então peça para que cada uma analise seus próprios erros e os corrijam definitivamente.
Solicite que passem o texto a limpo e sugira que leiam em voz alta sua experiência de ser escritor de contos.

Avaliação:

Releia a crônica ou o conto e discuta com os alunos os pontos encontrados nas suas reescritas.




Autora: Lêda Maria Sierra Cavallini
Referência Bibliográfica:

KRAMER, Sônia. Por entre as pedras: arma e sonho na escola. Rio de Janeiro: Ed. Ática, 2003.

LAROSSA, Jorde Bondia. Notas sobre a experiênia e o saber da experiência: Revista Brasileira de Educação. Campinas: FUMEC, 2002.

MEIRELES, Cecília. O que se diz e o que se entende. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 1980.

E agora vamos ver O Teatro Mágico para nos inspirar mais um pouco:

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