São Paulo: múltiplos olhares: regionalidade, identidade e cultura

Neste blog estamos dispondo narrativas visuais, textos e fotografias como parte de uma reflexão sobre a regionalidade, identidade e cultura identificadas como uma crônica do cotidiano regional que abrangerá as cidades de São Paulo, Sâo Bernardo do Campo e Santo André na região do grande ABC.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

CADA PESSOA TEM SUA HISTÓRIA


Patativa do Assaré

                             Fonte: http://www.liberdadededigital.com.br/



Quem já ouviu falar num passarinho chamado Patativa? È um passarinho cinzento que tem um canto suave, encantador.
Pois bem, na cidade de Assaré, no Ceará, um homem chamado Antônio Gonçalves da Silva, tornou-se Patativa do Assaré, porque seu canto era tão belo como do pássaro.
Patativa do Assaré foi um poeta maravilhoso e muito importante para a história da literatura e da cultura popular do Brasil. Morreu recentemente, no dia 08 de julho de 2002, aos 93 anos. Viveu bastante e intensamente. Boa parte de sua vida foi dedicada a fazer poesia. Aos 16 anos, começou a tocar viola e fazer versos para alegrar os amigos.
Trabalhou muito no campo, cultivando o pequeno pedaço de terra que herdou de seu pai. Fugia da roça para fazer seus versos e escrevia a noite a luz das lamparinas. Viveu de maneira simples, amava o povo brasileiro e principalmente o nordestino. Famoso e reconhecido pelo seu belo trabalho, nunca abandou o sertão, sua amada serra de Santana. Sua poesia era social, romântica, cidadã, falava de todos os temas: reforma agrária, televisão, meninos de rua, temas do nordeste e, claro, amor. Foi um homem generoso e querido que construiu uma obra de grande beleza apesar de ser cego e semi analfabeto.
Guardava centenas de poemas na memória e podia recitá-los a qualquer momento.
Poeta popular, cantador, repentista, passarinho... Certamente está fazendo poesia lá no céu.

SOU UM POETA DO MATO
VIVO AFASTADO DOS MEIOS
MINHA RUDE LIRA CANTA
CASOS BONITOS E FEIOS
EU CANTO OS MEUS SENTIMENTOS
E OS SENTIMENTOS ALHEIOS
SOU CABOCLO NORDESTINO
TENHO MÃO CALOSA E GROSSA
MINHA VIDA TEM SIDO
DA CHOUPANA PARA ROÇA
SOU AMIGO DA FAMÍLIA
DA MAIS HUMILDE PALHOÇA
CANTO DA MATA FRONDOSA
A SUA IMENSA BELEZA
ONDE VEMOS OS SINAIS
DO PINCEL DA NATUREZA
E QUANDO É PRECISO EU CANTO
A MÁGOA, A DOR E A TRISTEZA.

FONTE DO TEXTO: Almanaque Popular de Sabedoria
                                                      Número 3
                                    VEREDA – Centro de Estudos em Educação
                                                      Festas populares




quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Tocando em Frente - Almir Sater

Ando devagar
Porque já tive pressa
Levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte
Mais feliz quem sabe
Só levo a certeza
De que muito pouco eu sei
Eu nada sei...

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor prá poder pulsar
É preciso paz prá poder sorrir
É preciso a chuva para florir...

Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha
Ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro
Levando a boiada
Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou...

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor prá poder pulsar
É preciso paz prá poder sorrir
É preciso a chuva para florir...

Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora
Cada um de nós
Compõem a sua historia
Cada ser de si, carrega o dom
De ser capaz e ser feliz...

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor prá poder pulsar
É preciso paz prá poder sorrir
É preciso a chuva para florir...

Ando devagar
Porque já tive pressa
Levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Cada um de nós
Compõem a sua historia
Cada ser de si, carrega o dom
De ser capaz e ser feliz...

Vamos curtir o querido, lindo, jovem e sempre atual Almir !

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Resenha do documentário Milton Santos "O mundo visto do lado de cá"

fonte: www.sonhosmelodias.blogspot.com 

         O documentário do Milton Santos nos convida a fazer uma reflexão, principalmente aos educadores, como levar os alunos a construírem conhecimentos devidos para pensarem num ponto de vista de autonomia própria. Para tanto, é preciso dedicação, em especial na área da educação, na tentativa de mostrar que o consumismo é o grande fundamentalismo como indaga o Milton Santos.
           Estão explícitos os contrastes entre milhões de ricos e pobres, uma realidade mostrando povos, países, raças em diferenças de grandes proporções e a fome que permanece nesse tal mundo civilizado, como o contraste do mundo contemporâneo em todos os cantos, onde os pobres não têm lugar na sociedade. Vê-se muita miséria, muita gente sem o mínimo da digna sobrevivência do ser. O preconceito estampando de países fortes sobre os países pobres, de maneira covarde, que visa apenas para as finanças de acordo com seus interesses.  
           O consumismo é um grande problema afastando as pessoas de religiões, culturas e de fato da humanização. Mas há um povo que revoluciona para melhorar ou buscar seus diretos naturais de cidadãos comuns. No documentário, felizmente mostra, também, que os povos estão lutando de qualquer canto do mundo e, estão usando suas próprias linguagens, do seu país, para suas conquistas. Segundo Milton Santos “Os povos estão no período demográfico, é dos atores de baixo, ou seja, daqueles que não estão na mídia, que levará muitos combates, embora surgem muitos empecilhos. Mas o povo está vivendo a cada dia para lutar pelos seus direitos”.
A globalização existe apenas para reproduzir o poder de um grupo de homens que querem dominar o mundo, do qual somos uma pequena parcela e no qual estamos inseridos. Esse poder massacra o pobre, desumaniza o homem, pois o humanismo é substituído pelo  consumismo que é a base fundamental da globalização. Nesse mundo, o consumismo é uma guerra incessante, onde a sociedade emita as vozes alheias, porque não há lugar para a vontade, o desejo, e a liberdade do pobre. Não há lugar para a própria cultura, religião e língua de um povo. Os muros das fronteiras entre os países estão abertos somente para o dinheiro.
            Não há e não se discute a democracia. A mídia é usada para controlar o que se passa no mundo através de notícias que são apenas interpretações dos fatos. As grandes transações da  política econômica são feitas pelos que estão no poder, pois a ética estabelecida é que os pobres não podem andar no mundo dos poderosos.
            Contudo, há a esperança de que os homens oprimidos vejam o mundo com os próprios olhos, indaguem se podem mais com o mundo ou este pode mais do que a sua liberdade; o que está em seu poder e o que depende de forças exteriores que agem sobre eles.
A questão da globalização gera três mundos diferentes que se alojam numa sociedade sofrível. São eles: o primeiro mundo - A globalização como fábula, onde querem que o povo enxergue o que querem impor, através das mídias surreais, como diz Milton Santos - nas sociedades corporativas reina a propaganda como fazedora de símbolos (p.11); - o segundo: Um mundo onde a globalização é tida como perversidade, onde a população sente na pele a miséria, a fome, a indignação, a exclusão; e por fim, um mundo onde a globalização é tida como ela pode ser, ou seja, uma globalização onde nem todos se beneficiam verdadeiramente.
            A globalização deveria ser como uma matriz da vida social e política, gerando o bem comum e um novo modelo cívico, pois o nosso tempo, como diz Milton Santos no documentário, vem com uma grande novidade onde podemos nos tornar perfeitamente universais.
O modelo cívico forma-se, entre outros, de dois componentes essenciais: a cultura e o território: O componente cívico supõe a definição prévia de uma civilização, isto é, a civilização que se quer o modo de vida que se deseja para todos, uma visão comum do mundo e da sociedade, do indivíduo enquanto ser social e das suas regras de convivência. (Santos Milton, 1998, p.5)

            Dessa forma, o que realmente deve importar é a história do presente, como diz Milton Santos neste documentário. Uma história que parta do um, do cidadão, onde deve se manter o foco num modelo cívico decente para que se gere uma nova sociedade menos agonizante.
O século 20 é o tempo das revoluções tecnológicas, e o humanismo foi substituído  pelo consumo voraz, onde as pessoas valorizam o ter e deixam de lado as relações pessoais - o ser humano em si.
O dinheiro está posto como o centro do mundo, sendo este proposto pelos economistas e imposto pelas mídias em geral.
A notícia é uma grande fonte geradora de riquezas, sendo usada da forma que é útil para os grandes donos da informação. A mídia usa a notícia de maneira apropriada para o momento, em seu benefício próprio. Porém, hoje em dia já temos várias pessoas que usam as músicas e filmes como forma de protesto, contra o sistema de governo, drogas, violência, etc.
Os atores que vão mudar a história da humanidade são os que vem de baixo, eles vão agir de baixo para cima, os pobres de cada país, dentro dos diversos continentes.
O desemprego virou uma situação normal, e se tornou também uma condição para que países se acheguem à globalização. Situação que cada vez mais cresce, porque presenciamos pessoas que já atingiram a idade de quarenta anos e as empresas recusam-se a empregá-las, e justificam que as oportunidades te quem ser dadas para os mais jovens. De outro lado, os jovens não conseguem uma oportunidade no mercado de trabalho por não terem experiência.
Portanto, temos milhões de pessoas que morrem de fome, por causa do desemprego, que assola muitas vidas.

Referência Bibliográfica:
SANTOS, Milton. O espaço do Cidadão. 4ª Edição. São Paulo: NOBEL,1998

Autoras:
Desiree Stefanie
Edinalva Batista
Edleide Moura
Leda Sierra
Soraia de Oliveira 

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Identidade Cultural

                        
A dança é uma expressão artística que conheci por volta dos meus dois anos de idade. O Balé Clássico foi o meu primeiro contato com a dança até os meus três anos.
            Fui crescendo e conhecendo outros tipos de dança, como o Forró universitário, o Jazz, o Break e a Dança Afro, que em especial, quero compartilhar  dessa experiência riquíssima para a minha vida.
Fiz por um ano esse curso, estava com dezesseis anos de idade. É oferecido pelo SEDESC - Secretária de Desenvolvimento Social e Cidadania e promovido pela Coordenadoria de Ações para Juventude – Juventude Cidadã. Tinha um caráter prático, focado só para a dança em si, mas mesmo assim me possibilitou conhecer um pouco mais da Cultura Afro, que entre os anos 50 e 60 foi divulgada e difundida pelos negros que migravam do Rio de Janeiro para São Paulo, por causa da industrialização.
Despertou minha curiosidade para conhecer outros cantores brasileiros que também divulgam essa dança, como Daniela Mercury, que tem em suas músicas percussão e coreografias afro.
Achava que as danças afro eram realizadas somente em cultos africanos,   mas descobri que também a capoeira é um tipo de dança africana. Por isso, percebia nas aulas grandes semelhanças de movimento de capoeira, nos passos que a professora ensinava.
Durante as aulas, ela propiciava um espaço harmonioso com músicas para fazer o aquecimento. Depois fazia as danças de roda e em seguida passava uma sequência de passos apresentando a coreografia.
Ufa... Era bem dinâmico e exaustivo. Quanta disposição tinha que se ter para essa aula.  Mas, incrivelmente, a sensação era de leveza no meu corpo, porque os passos e as músicas me contagiavam por inteira.
Chegamos a realizar algumas apresentações na EMEB - Escola de Educação Básica Marcos Rogério da Rosa - que atende o fundamental I, para crianças e EJA (Educação de Jovens e Adultos).
Hoje, como futura educadora, penso na riqueza cultural que o Brasil recebeu dos escravos e o quanto tenho a ensinar para os alunos, no intuito de poder ampliar os seus conhecimentos, de uma forma enriquecedora e diversificada. Pois a Dança Afro promove discussões sobre a cultura negra, quer seja nas vestimentas, nos instrumentos musicais, nas pinturas feitas no corpo, nos ritmos, etc.

Autora: Desiree Stefanie dos Santos

Arquivo pessoal Desiree Stefanie - Grupo AfroJu

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Migrante nordestina

 
fonte:www.conectadope.blogspot.com
Cidade de Serra Talhada - PE

  
 
fonte: www.panoramio.com - cidade de Triunfo - PE
 
          
Arquivo pessoal Edleide Moura - Vila de Jatiuca - PE



Arquivo pessoal - Jatiúca, sertão PE
            Na década de 70 nasci no vilarejo chamado “Jatiúca”, que naquela época pertencia à cidade de Triunfo - PE, devido ao clima ameno é uma cidade turística, encontra-se mais de mil metros acima do nível do mar. Hoje pertence à cidade Santa Cruz da Baixa Verde, localizada no Sertão do Alto Pajeú. Vinda de uma família simples, mas, de grande valor na nossa cidadezinha pernambucana. Meu pai Benjamim, um homem generoso, admirável e com uma grande visão de mundo. E minha mãe, a mulher mais encantadora e corajosa que já encontrei.
         Meus pais mudaram para São Paulo com seus cinco filhos, eu não havia completado dois anos de idade, sendo a quarta filha do casal, moramos no bairro da Pedreira em Santo Amaro - SP. Por dificuldades econômicas a situação estava difícil, devido à seca que é comum castigar o nordeste. Através da influência dos familiares, meu pai veio com a família ainda na década de 70, era um momento de grande crescimento urbano da cidade de São Paulo que vivia uma grande oferta de trabalho na área da construção civil. No entanto, meu pai trabalhou erguendo moradias na referida cidade. Lembro-me dos momentos de lazer que ele contava essa passagem por São Paulo, morávamos de favor na casa de parentes, exerceu funções de pedreiro, dos seus amigos de trabalho que na maioria eram também da sua terra e, do seu chefe que o reconhecia como um grande trabalhador e honesto. Mas, meu pai tinha uma grande visão de mundo, um apaixonado pela sua terra resolveu voltar de onde jamais deveria ter saído, lá era um ser livre e cuidava do que é seu. Segundo Santos (1998, p.100). “A capacidade de enxergar e lutar não decorre da história social que a condiciona, mas da essência humana, comum a todos os indivíduos”.
        Retornaram para a nossa pequena e sossegada vila de Jatiúca, com seus cinco filhos e, a espera de mais um. Voltamos a viver em um ambiente calmo, de crianças livres que só cuidavam de duas coisas: estudar e brincar. Brinquei de roda, esconde-esconde, pedrinhas e tantas outras brincadeiras, lugar que estudei até a antiga quarta série numa escola de uma educação tradicional, mas, como eu era inteligente nata, mesmo com a cartilha aprendi na escola e principalmente com meus pais que o estudo é o caminho da dignidade. Então, continuei meus estudos na cidade de Serra Talhada, sertão de PE, cidade de uma cultura vasta muito conhecida pelo o xaxado e a terra do Lampião. Passando a viver na casa dos meus avós Antonio e Cecília até os meus vinte anos de idade que com muito carinho e amor fizeram toda diferença na minha vida. Conquistei o meu diploma do magistério para orgulho de meu pai. Por questões políticas, a dificuldade de arrumar um emprego era muito grande, normal para cidades do interior nordestino. Por isso veio à decisão de voltar-me para São Paulo. E também a família foi crescendo, eu era quarta filha de dezesseis irmãos, percebia que meus pais precisavam de ajuda para continuar com a vida digna e estudos para meus irmãos, alguns já estavam morando aqui em São Bernardo.
Em 1992, muito jovem, cheia de sonhos e ilusões volto a São Paulo para morar com meus irmãos. Sonhos que foram se quebrando a cada dificuldade e espanto do que tem dentro de uma cidade grande: as injustiças, o desemprego e o preconceito de onde vim. Mas, muita coisa bonita aconteceu, a minha própria família, meu esposo Francisco, homem maravilhoso e nossa filha Karen Cecília, minha razão de viver.
           Trabalhei em loja, em indústria, mas, há a saudade do tempo de magistério, são memórias muito forte que estão contidas no meu coração que me levaram ao que estou fazendo hoje, a faculdade de pedagogia para terminar e começar meu sonho de infância, adolescência e adulta. Por acreditar ser mais poderosa de todas as profissões, vou ajudar crianças a serem livres cidadãos.

Autora: Edleide Moura Leite Ferreira

Asa Branca - Luiz Gonzaga

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Heliópolis, terra de quem?


Quando passo pela favela do Heliópolis, gosto de pensar e imaginar como tudo ali era antes de 1970. Minha mãe viveu parte de sua infância ali, quando era campo, quando a paisagem era verde. Fico imaginando o que ouvi: crianças correndo nos campos,  brincando nas poças de água que se formavam na grama depois de uma chuva de verão. Fico com saudades disso (embora eu mesma não tenha vivido).
            Foi no ano de 1938 quando meus avós, filhos de imigrantes europeus, colonos de uma fazenda de café em São José do Rio Pardo (aquela cidade interiorana de São Paulo, onde Euclides da Cunha gostava de estar...), resolveram ir buscar, na capital, melhores dias para a família.
            A princípio, alugaram uma casa no bairro de São João Clímaco. Mas foi no ano de 1945 que meu avô ficou sabendo que um órgão do governo, o IAPI (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários*), estava alugando terrenos para chácaras no Heliópolis e na Vila Carioca. Meu avô adquiriu o carnê para pagar o aluguel da terra,e no mesmo ano se mudou para lá com a família.
            Ele tinha, agora, uma chácara para plantar verduras, para criar porcos e alguns cavalos.  A casa de madeira, não pôde ser construída de alvenaria, pois o terreno era alugado, e, na verdade, pertencia a herdeiros órfãos que o Governo estava à procura.
           Algumas chácaras, além da do meu avô, se formaram no Heliópolis. Ao longe, perto do Sacomã, conta minha mãe que se avistavam alguns casarões, bonitos, que pertenciam aos senhores cobradores de aluguel. Comércio não havia ali, a não ser pelo único mercadinho que ficava perto da Rua Silva Bueno, aonde  podia se comprar um filão de pão,  leite na vasilha e óleo por litro.
            Passados, mais ou menos, doze anos deixaram de cobrar o aluguel das terras, e o povo que ali estava se viu morando em terras que não eram de mais ninguém. Mas, não demorou muito e a situação mudou. Uma Refinaria de Petróleo chegou e pediu o terreno de todos, oferecendo, apenas, um caminhão para retirar a mudança.  Cada morador teve que sair, calado, e muitos sem rumo e sem lugar para ficar. Quem tinha criação de animais teve que se desfazer. Era o ano de 1970. Negaram a eles a cidadania, pois como Santos (1926, p.8) afirma que “para ter eficácia e ser fonte de direitos, ela deve se inscrever na própria letra das leis [...] e, sempre que haja recusa, o direito de reclamar e ser ouvido”, não puderam falar dos seus direitos.
            Meu avô se desfez dos seus porcos e dos seus cavalos. Pegou a família e foi morar de aluguel na casa de um parente, na vila São José, em São Caetano do Sul. Depois, construiu um barracão na Cidade Líder, onde foi morar e ali permaneceu.
            E, no fim da história, a Refinaria de Petróleo não ocupou todo o terreno. O Governo não fez nada com aquelas terras. As pessoas foram invadindo. E se transformou no que hoje conhecemos como - Favela do Heliópolis.

Autora: Soraia de Oliveira Silva
  
           

* IAPI é um acrônimo para Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários. O IAPI foi criado em 1936, durante o Estado Novo e, após 1945, expandiu suas áreas de atuação, passando principalmente a financiar projetos de habitação popular nas grandes cidades.
Fonte: pt.wikipedia.org


Fotos


Tio de Soraia, Heliópolis, 1958.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva

 

Irmã de Soraia, no fundo Hospital Heliópolis. 1964.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva.


 



Criação de porcos - chácara no Heliópolis. 1958.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva

 
Mãe e irmã de Soraia - Heliópolis. 1964
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva.



Tios de Soraia - Vila Carioca. 1958.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva






Avós e tios de Soraia na chácara - Heliópolis. 1960.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva


Avós de Soraia. 1938.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva

Heliópolis, novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva.

 
 
Posto de Combustível - Heliópolis. Novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva.

 


Refinaria de Petróleo - Heliópolis. Novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva.







Muro do Hospital Heliópolis. Novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva




Entrada Hospital Heliópolis. Novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva





Rua ao lado do Hospital Heliópolis. Novembro 2010.
Foto: Arquivo pessoal de Soraia de O. Silva


 

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Vem palavra, vem!

Sequência Didática

Trabalhando gêneros literários em sala de aula no ensino fundamental.



Crônica:

Lições de Botânica


            Todos achávamos o compêndio de botânica excelente: em francês, encadernado em percalina amarela, agradável de tomar nas mãos, bom de folhear, bem impresso, com desenhos claros - essas coisas que nem sempre os editores levam em conta e podem, no entanto, ter influências na vida de um estudante e até na sua vocação. O professor ajudava a esclarecer o texto: depois procurava-se a letra a, a letra b, a letra c, todo o alfabeto, que indicava o que se estava estudando nas plantas, quer inteiras, quer em seus pormenores, e nos cortes longitudinais que mostravam seus segredos interiores. Era muito agradável: vivia-se em jardins, pomares, campos imaginários. Salvo algum exemplo especial, não se tratava de nenhuma planta, nenhuma flor, de fruto algum. Tudo estava reduzido à ideia, nem mesmo à imagem dos objetos. Mas era - pelo menos para alguns - um exercício fácil e feliz. Assim Deus tinha disposto as suas criações vegetais! E sépalas, raízes, pistilo, cada coisa no seu lugar cumpria uma determinada função; e quando havia aberrações, era outra história...
            Naquele tempo não se analisava nada disso com muita profundeza, mas com o assombro e a curiosidade das descobertas. Apenas, entre as folhas dos livros e os seus desenhos, assomava como um fantasma bom a figura de tio Zeferino.
            Não sei de onde vinha, mas vinha com o anoitecer, como trazido pelo lusco-fusco da tarde. Trazia ramos de flores e embrulhos de frutas. Vinha orgulhoso, sorridente, pois tudo aquilo nascia em chácara sua, sob os cuidados seus. Descansava os embrulhos e ramos na mesa rústica, falava do tempo, do sol e da chuva e ainda trazia em redor das unhas a terra dos seus canteiros. Sua chegada coincidia com a hora em que as crianças boazinhas devem ir dormir: de modo que sua figura e suas falas ficavam metade neste mundo, metade no outro. No dos sonhos. Mas era ele que entendia e explicava rosas e eglantinas, dálias e crisântemos, e fazia apreciar o perfume escondido da violeta em contraposição à violência do jasmim-do-cabo. Era um homem singular. Falava de flores simples e dobradas e com um canivete que exibia às vezes, parece que resolvia seus problemas, tornando doces as laranjas amargas e creio que aumentando o tamanho ou o número de outras frutas. Tudo com aquele canivete! Todos ficávamos boquiabertos de admiração.
            Mas tio Zeferino não se gabava muito daquelas colaborações com Deus. Pedia umas fruteiras brancas e redondas, que de perfil pareciam cogumelos e ia dispondo as frutas. Da laranja e da goiaba não precisava falar, pois quem não as conhecia? Mas havia a carambola, a nêspera, a romã, o jambo: essas eram grandes novidades, que não se encontravam em qualquer lugar.
            Tio Zeferino devia conhecer todas as plantas do mundo - pensávamos. Queríamos associar a sua figura à dos anões de louça que, naquele tempo habitavam alguns jardins. Mas tio Zeferino não tinha nada de anão: era um homem robusto, de meia-idade, cabelos um pouco grisalhos, e uns grandes olhos verdes, como duas folhas. Uns bons olhos, que riam para as crianças, para as coisas todas deste mundo que ele, afinal, com as suas grossas mãos, ajudava a criar. Assim, contava a história das flores e dos frutos, desde o seu tempo em que eram apenas sementes, e como era a terra e o adubo e a água e o sol, e como tudo se fazia cor, perfume, gosto, sumo... Falava com amor. Pois se ele conhecia cada limão desde quando era uma pequenina flor, e depois se tornara um botãozinho verde “assinzinho”, e se arredondara e crescera, e agora estava ali, na mesa rústica ou numa cestinha onde tinham recolhido, e perfumava a casa toda, e estava pronto (isso nos causava dó) para ser cortado em rodelas ou espremido em limonadas. Mas tio Zeferino comandava esses nascimentos e sacrifícios com uma superior tranquilidade. Depois de uns, vêm outros, tudo é assim, a vida continua, a vida vai sendo sempre: Deus não para, vai criando, vai renovando... Tudo isso que tio Zeferino dizia não era tirado dos livros, mas da sua cabeça, do seu coração, da sua experiência de trabalho. Eram tão vivas as suas palavras que ninguém deixava de acreditar. Segurando uma dália ou uma tangerina, ele parecia um orador e (Deus me perdoe) um orador sacro.

Autora: Cecília Meireles
Livro: O que se diz o que se entende


Sobre o conto - Lições de Botânica - de Cecília Meireles e sua utilização em sala de aula:


            A arte está, também, nos detalhes pequenos, e é lá onde o artista coloca sua identidade. Podemos ver nesta crônica de Cecília Meireles sua identidade diáfana, portanto. Aqui, ela deixa passar a claridade de suas ideias sobre o saber da experiência quando nos conta do tio Zeferino e sua vida nos canteiros de plantação.
            Esta crônica nos anima a pensar a prática da reescrita na educação a partir do par experiência/sentido, como propõe Jorge Larrosa (2002), pois quando a criança se percebe contando, lendo e escrevendo suas próprias vivências, ela se aproxima mais da palavra e de sua própria língua.
            Contar suas experiências, algo que lhe acontece, e, para Larossa (2002), a experiência é a passagem da existência, pode fazer a transformação da criança ao final de um processo de trabalho com reescrita de textos, transformando-os em seres leitores e escritores. “Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo” (Larossa, 2002, p.25).


Autora: Lêda Maria Sierra Cavallini
Sequencia Didática
                       

Considerações pedagógicas sobre o tema da sequencia didática:

            Aqui vão alguns pontos favoráveis do ensino da língua portuguesa ao se trabalhar os gêneros literários. Esta prática prevê a aprendizagem significativa quando se propõe, por exemplo, a reescrita da crônica ou do conto.  As crianças irão aprender a ortografia lendo e escrevendo na prática. Ler e escrever, neste processo de reescrita, desenvolve a aprendizagem da ortografia, sistematiza a língua, além de dar ao professor suporte para um mapeamento dos erros ortográficos.
            Um dos pontos importantes desta prática é que as crianças podem falar, com suas próprias palavras e expor suas ideias, sobre o que vivem no cotidiano. E o educador deve respeitar, tanto o que falam, quanto fazer a correção também com respeito.
            Ao fazer a leitura da crônica/conto em sala de aula, o professor se coloca como modelo leitor e pode trabalhar a leitura compartilhada fazendo com que cada aluno leia em voz alta pelo menos um parágrafo deste gênero. Depois cada aluno desenvolve sua reescrita.
            Ao reescrever, o aluno organiza as ideias, pensa sobre a coerência textual e mais importante: expões suas ideias.
            Como metodologia, o professor pode refletir sobre as dificuldades ortográficas das crianças a partir do mapeamento dos erros, pois ao perceber a natureza deles, direciona seu trabalho. Nesta verificação dos erros pode se observar a segmentação, as irregularidades, as regras ortográficas (quais deverá trabalhar) e as trocas de fonemas, por exemplo.
            Como sugestão de correção, o educador poderia propor uma troca de cadernos: fazer com que as crianças, ao final da reescrita, troquem os cadernos e corrijam os textos dos colegas, assim o aluno seria colocado frente à ação mental do erro, onde o próprio erro é transformado numa situação de aprendizagem.
            Assim, a criança se torna autônoma tanto na escrita quanto na leitura ao longo do tempo. Sônia Kramer em - Por entre as pedras - fala da leitura e escrita como possibilidade de arma e sonho e diz dessa dimensão maior como descobrir um sentido de humanidade, de tornar-se humano, e do sentido da descoberta na aprendizagem da escrita quando significativa. (2003, p.125).
            Então, vamos levar nossas crianças à descoberta da escrita em sala de aula e fazê-las expressar suas identidades.


Autora: Lêda Maria Sierra Cavallini
Sequencia Didática




Sequencia Didática:

Objetivos:
  • Reconhecer a comunicação escrita.
  • Aprender sobre a reescrita de crônicas/contos.
  • Conhecer a ortografia.
  • Aprender a organização da língua escrita.


Conteúdos:
  • Desenvolvimento da habilidade da leitura e da escrita.
  • Introdução da ortografia.
  • Desenvolvimento do gênero literário crônica ou conto.


Anos:

3º e 4º

Tempo estimado:

Três aulas


Material necessário:

Livro - O que se diz e o que se entende, Celcília Meireles: RJ: Nova Fronteira, 1980.


Desenvolvimento:

1ª Etapa:

Organize os alunos em roda para a leitura da crônica ou do conto. Leia primeiro. Sendo o professor o modelo leitor, leia devagar, obedecendo a pontuação para que todas as crianças entendam a narrativa. A seguir, faça perguntas sobre o texto, como o que elas entenderam sobre o que fez tio Zeferino com suas plantas, ou, a que tipo de experiência a menina estava falando. 
Depois, peça para que cada criança leia ao menos uma frase do conto. Após o término da leitura, peça para que cada criança conte com suas próprias palavras o que deve ser um conto.

2ª Etapa:

Antes de iniciarem a reescrita, as crianças devem fazer uma pesquisa em casa sobre o que pretendem escrever em seu conto. Chegando à sala de aula irão falar sobre o que pesquisaram, e então podem iniciar a reescrita.

3ª Etapa

Ao término da reescrita, peça para que as crianças troquem os cadernos ou as folhas para que façam a correção do texto do amigo. Recolha todos os textos e faça você outra correção fazendo um mapeamento dos erros de cada criança. Devolva os textos e então peça para que cada uma analise seus próprios erros e os corrijam definitivamente.
Solicite que passem o texto a limpo e sugira que leiam em voz alta sua experiência de ser escritor de contos.

Avaliação:

Releia a crônica ou o conto e discuta com os alunos os pontos encontrados nas suas reescritas.




Autora: Lêda Maria Sierra Cavallini
Referência Bibliográfica:

KRAMER, Sônia. Por entre as pedras: arma e sonho na escola. Rio de Janeiro: Ed. Ática, 2003.

LAROSSA, Jorde Bondia. Notas sobre a experiênia e o saber da experiência: Revista Brasileira de Educação. Campinas: FUMEC, 2002.

MEIRELES, Cecília. O que se diz e o que se entende. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 1980.

E agora vamos ver O Teatro Mágico para nos inspirar mais um pouco: